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Shidoshi Müller (4º dan)
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Os japoneses trazem consigo uma rica mitologia e inúmeras lendas. Isso porque o Japão possui uma forte influência Shintoísta na base de sua religião  e, como uma religião “panteísta”, seus mais variados “deuses” shintoístas (Kami) permeiam com diversos nuances na cultura nipônica.

Alguns dos seres fantásticos desta mitologia interferiram no desenvolvimento e concepção de técnicas de guerra. Uma destas figuras místicas é o conhecido “homem pássaro” ou “homem alado”, chamado de Tengu.

Estas figuras, meio corvo e meio humanos, conhecido por viverem em topos de montanhas, causaram impactos nas vidas que cruzaram em seus caminhos. Com habilidades de se transformar em seres humanos, eles podiam sequestrar crianças, fazer “traquinagens” (como desaparecer com pertences), destruir templos, e até mesmo instigar guerras, de acordo com sua vontade e satisfação, sendo que aqueles que ajudavam sua causa, muitas vezes eram presenteados com ensinamentos de suas artes, como por exemplo, a espada (Kenjutsu).

A origem da figura dos Tengu é incerta até os dias de hoje, muitas pesquisas indicam que o Tengu é oriundo do folclore chinês. Acredita-se que os Tengu tenham recebido seu nome e algumas características mitológicas a partir do demônio que habitava as florestas chinesas, os chamados “Tien-Kou” (Cão Celestial), cuja a pronúncia japonesa é dada por “Tengu”.

Há também outras evidências de que os Tengu tenham se originado a partir de uma divindade, um Guardião do Budismo, conhecido como Garuda, que possuía asas e cabeça de pássaro, Garuda também podia mudar sua forma para a de um humano. Nesses estudos a mais provável origem do Tengu é a combinação das características do “Tien-Kou” com o Garuda.

Os Tengu eram divididos em duas classes, cada uma com suas qualidades próprias: Karassu Tengu e o Konoha Tengu.

O Karassu Tengu, aparentava-se como um corvo, mais parecido com um pássaro maligno, cabeça de ave e compridas asas, em um corpo de humano, tinha por hábito de sequestrar adultos e crianças, fazer fogo, liquidava aqueles que por vontade própria danificava as florestas onde vivia, e algumas vezes, podiam causar demência as pessoas que sequestravam.

O Konoha Tengu, também conhecido como Yamabushi Tengu, o Monge da Montanha, tinha capacidade de se transformar em qualquer forma humana, geralmente preferiam formas de pessoas mais velhas, como andarilhos ermitões ou monges, eles se tornaram mais humanos com os séculos por terem se diferido dos Karassu Tengu  e, assim, acabaram assumindo um papel mais protetor. Por terem interagido mais com os humanos, sua forma de pássaro reduziu, ficando uma forma humanoide com asas e narizes grandes narizes pontiagudos ao invés do bico de corvo.

Existe um Tengu em cada local, conhecido como Dai Tengu, este é figurado sempre portando vários pergaminhos (makimono), eles guardam os segredos da guerra, tem cabelos a barbas cinzas quase brancos e possui um abanador de sete penas, que serve para representar sua superioridade hierárquica.

A conexão dos Tengu com as Artes Marciais começaram por volta do século X, tempo em que surge a lenda mais famosa: o ensinamento dos Tengu ao grande guerreiro Yoshitsune Minamoto. A família deste guerreiro lutou na Rebelião Heiji e, após ser  massacrada, Yoshitsune foi exilado e deixado para viver num templo nas montanhas, como um monge. Contudo ele saia para treinar escondido com uma boken que ele mesmo havia feito. Depois de algum tempo de treino, ele notou a presença de uma criatura, um Dai Tengu chamado de Sobojo, que impressionado com seu desejo de vingança, concordou ensinar os segredos da guerra que guardava. Após várias noites treinando com o Dai Tengu, Yoshitsune se torno um excelente guerreiro e venceu o Clã de Taira na batalha de Dannoura.

Várias passagens dos Tengu mostram como sábios guerreiros que surgem para ensinar alguns poucos e escolhidos como discípulos. Suas lições são mais do que como manejar fisicamente as armas, mas também como lidar com as emoções e o espírito guerreiro. Um livro que mostra claramente isso é o Tengu Geijutsu Ron, traduzido como “O zen na arte de conduzir a espada”.

Os Tengu também são conhecidos como os vilões do budismo, pois eles sequestravam sacerdotes, os prendiam em topos de árvores, e normalmente usavam seus poderes para implantar ideias de ganância, orgulho e ódio na cabeça dos seus cativos, eles são conhecidos também por gerarem ilusões de óptica, como fazerem sacerdotes pensarem em estar fazendo uma deliciosa refeição enquanto comem estrume. Com o tempo, quando um sacerdote realizava um grande feito para inflar seu ego era acusado de estar na influência de um Tengu.

A figura do Tengu, a partir do século XIII começou a mudar, o estereótipo maligno acabou e se transformaram em um criatura boa que trabalhava para o bem da humanidade, alguns desses Tengu se tornaram protetores de vários templos Budistas, especialmente os localizados nas montanhas, inclusive eles instruíram sacerdotes ritos e doutrinas esotéricas Budistas (Shugendo), alguns templos inclusive tem pergaminhos escritos por Tengu, suas escritas jamais foram decifradas, pois somente um Tengu entenderia.

 

O TENGU E O NINJA

A ligação entre o Tengu e algumas Artes Marciais se tornou mais evidente no século XIV, quando os conceitos de escolas marciais e Estilos surgiram e se efetivaram. Quando houve a necessidade das escolas de traçarem a sua linhagem e história a fim de fazer seu estilo legítimo, o surgimento dos Tengu veio retratado como inspirador ou instrutor de muitos fundadores, e fora registrado em pergaminhos que foram transmitidos a cada sucessor, muitos destes registravam os métodos de combate, os Tengu eram ilustrados como oponente.

Os Tengu estão fortemente associados aos guerreiros Ninja do Japão feudal por vários motivos. A atividade do Ninjutsu era vinculada fortemente com a noite, a névoa, a penumbra, as montanhas, além de ter características de ilusionismo, furtividade, estratégia e misticismo. Isso fazia com que as pessoas ligassem a figura do Tengu com os Ninja. Mais que isso, a forma de caminhar com o corpo e com as vestes quebrando sua silhueta, as habilidades de escalada e de saltos em árvores e por obstáculos, também faziam com que os japoneses acreditassem que os Ninja eram, na verdade, descendentes diretos dos fantásticos seres, os Tengu. Assim surgia mais uma lenda e enchia a mente dos japoneses de superstições e atitudes mágicas relacionadas ao Ninjutsu. Obviamente, uma vez que a conexão entre o Tengu e o Ninja se estabeleceu, este usou a seu favor todo o medo e respeito que a figura do Tengu poderia impor para tirar vantagem num combate com qualquer um, que estava convicto que deveria evitar um embate com um Ninja a todo custo.

 

Mas até o Ninja acreditava nos Tengu. Alguns Yamabushi, em seus templos, recebiam para permitir que os Ninja visitassem um Tengu e tentassem ganhar um pergaminho com novas habilidades para o combate marcial, estratégia, técnicas de voo, ludibriação, aperfeiçoamento da esgrima, envenenamento, disfarce, hipnose e outros.

Por muito tempo, os Yamabushi foram a ligação entre os Ninja e os Tengu, devido a eles estarem sempre na montanhas procurando por habilidades místicas, o contato com os Tengu eram frequentes. Mas, muitas vezes, o Ninja, o Yamabushi (monge da montanha) e o Tengu foram figuras análogas, sendo o Ninja um Yamabushi e este, por consequência, um Tengu. Certamente, além de se aproveitar do misticismo envolto na sua ligação com os Tengu, os Ninja também souberam se inspirar nas qualidades e características do Tengu para desenvolver o Ninjutsu.

Texto por:

Deshi Paulo Pratesi (17º Kyu)

Simone Mogami Sensei (Shodan)

Curiosidades:

Assista desenhos japoneses (anime) antigos sobre algumas lendas do Tengu:

Kobu Tori (1929)

Tengu Taiji (1934)